Professor Koeber, de Natsume Sōseki
Eu via uma alta
janela por entre a folhagem, e de um canto desta surgia a cabeça do professor
Koeber. De seu flanco subia uma espessa fumaça azulada. Parece que o professor
está fumando tabaco, disse eu a Abe.
Não me recordo de quando foi a última vez que estive por aqui, mas vendo hoje percebo sua aparência ter mudado, nem que um pouco apenas. O cimo da linha de Kōbu foi reconstruído em grandiosas casas, tendo nada além dos portais que não conseguiam se separar das influentes riquezas geradas pelo Japão moderno. Dentre estas, apenas a residência do professor, uma só decrépita casa, restou como se fosse uma lembrança do passado. E o professor, quando se uma vez é visto entrar no escritório de sua fumacenta casa, raramente vê-se ele de lá sair. Escritório, cujo este, é o lugar elevado de onde se via a cabeça do professor por entre a folhagem.
Locomotiva Nanohana, Ferroviária Isumi (Idzumi?); Créditos de かもさん. |
Em contraste com a aparência do
professor, que parecia eternamente jovem, seu escritório estava encoberto por
uma complexão senil. Apesar dos livros ocidentais, que, mais do que os chineses
e os japoneses, mostravam suas capas de couro decorativas, trazendo toda a
pompa da academia e das artes como de costume, o cômodo não continha coisa
alguma que me chamasse a atenção. Apenas uma grande escrivaninha. Quatro
cadeiras desbotadas. Fósforos, tabaco egípcio, e um cinzeiro. Conversei com o
professor enquanto fumava seu tabaco egípcio. Porém, até que saí do cômodo e
fui apresentado à sala de jantar, passei sem saber enfim que tipo de livros se
enfileiravam no escritório do professor.
Não foram somente as floreadas
lombadas em letras de ouro, vermelho e azul que não excitaram a minha vista.
Até mesmo as puras e brancas me passaram despercebidas. Nem mesmo na mesa de
jantar do professor estava posta a toalha branca, tida como necessária aos
europeus de costume. Em vez disso, estava coberta por um pano de algodão
repleto de retalhos. Ademais, aquele pano era o mesmo que havia sobrado da
reforma de um futon, guardado em minha casa desde que minha filha se casara.
Sentado de fronte a esta mesa, o professor não vestia gola nem colar. Por cima
de uma amarrotada camisa listrada, tinha jogado sem cuidados um paletó fino de
cor de ovo. Desde o começo fui avisado que não seria uma ocasião deveras
formal, mas com receio de parecer desrespeitoso, eu estava vestido com uma
camisa e gola brancas e um quimono azul-marinho. Quando o professor apontou
logo de frente o estado do vestir dele em comparação com as minhas vestes
formais, me doeu apenas estas duas palavras, mas de fato, se apenas me vestir
com peças brancas e lavadas for considerado uma vestimenta formal, então estava
eu muito mais formalmente vestido do que o professor.
Ao perguntar ao professor se ele não se sentia solitário vivendo sozinho, ele me respondeu que não, nem um pouco. Ao perguntar se não tinha vontades de retornar ao Ocidente, respondeu que não achava o Ocidente tão bom assim, e que, no entanto, apesar de se incomodar com a falta de concertos, teatros, bibliotecas e museus de arte no Japão, estes eram os seus únicos pontos negativos. Ao sugerir que lá fosse visitar quando estivesse ocioso, por menos uma vez ao ano, disse-me que de certo poderia fazer isso, porém não seria de seu gosto. Caso um dia eu me afaste do Japão, será pela eternidade. De jeito algum voltarei outra vez, disse-me. O professor deste modo não mostrava sentir falta de sua terra natal, nem necessariamente aparentava desgostar do Japão, fazendo da sua personalidade uma parte do contraditório e confuso vazio de difícil compreensão do módico estado do mundo nesses chamados novos tempos, em que embora esteja testemunhando a ascensão paulatina ao seu redor dos fundos dos estratos, e o seu progresso pela tomada do ímpeto de estar no centro destas coisas a que não pode senão se render, vê a isto tudo como um fenômeno indiferente que se passa em outro lugar qualquer, o que por fim o levou a passar dezoito sossegados anos em nosso país. O modo de viver do professor parecia como se tivesse o sangue fluindo pelas esculturas gregas espalhadas pelo ar poeirento. Tinha o silêncio certo de quem se move no meio do turbilhão. Não mostrava ter pedras alfinetando-o nas solas dos sapatos em que pisava. Ele era como os peninsulares da pré-história, andando calmamente ao lado dos trilhos de trem calçando sandálias feitas de couro mole.
Raphael von Koeber, notável professor russo-germânico de filosofia e música na Universidade Imperial de Tóquio entre 1893 e 1914. |
Antigamente, o professor
costumava ter um pássaro. Vindo não sei onde, decidiu que lhe jogaria comida e
cuidaria dele. Eles tinham uma curiosa ligação. Aponta um certo sentimento ao
unir os dois em minha mente. Tempos atrás vi o professor retirar de uma estante
da biblioteca da universidade uma antologia de Poe. Disse-me que gostava de Poe
e de Hoffman. Nesta tarde lembrei-me do pássaro e perguntei o que se havia dado
dele, quando me respondeu que morrera, morreu de frio. Respondeu que certa
noite fria ficou parado em um galho no quintal, e no dia seguinte estava morto.
Incidentalmente, surgiu o assunto
dos morcegos. Abe disse que morcegos eram pássaros céticos, e ao perguntar de
volta o porquê, deu a misteriosa resposta de ser por ficarem voando por aí na
escuridão. Eu disse que gostava das asas dos morcegos. O professor disse que
eram asas de demônio. E de fato, toda vez que demônios são representados em figuras
eles se valem das asas dos morcegos.
Naquela hora era anunciado o pôr
do sol em voz clara e melodiosa ao lado da janela entardecida, ao que todos os
quatro em torno da mesa desviaram seus ouvidos. Perguntei ao professor se
aquele de canto de pássaro não o transportava à Itália. Fiz-lhe essa pergunta
porque pouco tempo atrás, quando falava da beleza de um lagarto, perguntei-lhe
se não o lembrava do azul límpido do céu da Itália, ao que me respondera que
sim, lembrava-o. Porém naquele anoitecer, o professor inclinou levemente a
cabeça e respondeu-me que aquilo não era Itália, não era nada que lembrava ter
ouvido na Itália.
Naquela velha casa que parecia
estar por engano no centro da cidade fervilhante, conversávamos em silêncio
sobre estas coisas. Em seguida, começamos a falar sobre crisântemos, camélias e
lírios. Falamos também sobre frutas. Dentre estas frutas a mais fragrante, um
limão vindo de um país distante, foi da qual extraímos algumas gotas, pingadas
na água que bebemos. Bebemos café também. De todas as bebidas o café é o mais
saboroso, foi a opinião que o professor nos deu. Depois disto, eu e Abe fomos
embora na noite silenciosa.
Há muito já não se vê o rosto do
professor em meio aos ostentosos concertos. Desde que chegara ao Japão, teve
nem ao menos a intenção de dizer que já encostara em um piano. É a esse ponto
que odeia as coisas frívolas e românticas. Afastando-se completamente de todo
tipo de concerto, somente em seu próprio quarto e somente quando está assim
inclinado, o professor senta-se em frente ao instrumento e ouve a música que
faz para si apenas. Fora isso, faz nada além de ler seus livros.
Se for à universidade de letras e
perguntar por aqui quem é o professor mais valoroso, noventa ou cem dos
estudantes deverão responder, antes do nome de qualquer um dos vários
professores japoneses, primeiramente o nome de Von Koeber. Deste modo o
professor por muitos alunos respeitado, consistentemente entretendo a
curiosidade dos estudantes japoneses, continua a dar suas palestras de
filosofia por dezoito longos anos. O motivo de ainda não ter partido, como
deve, deste Japão que se torna prontamente mais sombrio, é realmente a
existência desses amáveis alunos.
Venha para o jantar quando
estiver livre! Desde que fui chamado no tempo em que o professor Fukada de Kyoto esteve na casa do professor Koeber, os dias que se passaram sem que eu
fosse já excediam a soma de quatro anos. Quando finalmente decide cumprir a
promessa e saí junto com Abe na noite escura, pensava comigo mesmo quantos anos
mais o professor pretendia permanecer no Japão daqui pra frente. Por isso
quando me disse que se partisse do Japão não voltaria outra vez, lembrei-me do
professor citando o "no more, never more" do verso de Poe.
Original: 「ケーベル先生」夏目漱石より
(https://www.aozora.gr.jp/cards/000148/files/770_43504.html)
Comentários
Postar um comentário