O Homem que Foi Escavado do Chão, de Ueda Akinari

Havia uma família de lavradores que vivia há muitas gerações em um lugar chamado Kosobe em Takatsuki, na província de Yamashiro. Eles possuíam muitos campos nas montanhas e eram muito ricos.

O chefe de família era um homem culto, que nunca saía com seus amigos, em vez disso passava suas noites lendo sob a luz do fogo em seu escritório.

— Agora, vá para a cama. O sino da meia-noite já tocou. Meu pai costumava me dizer que se eu ficasse acordada até muito tarde lendo, minha mente ficaria cansada e eu adoeceria. Você tem que ter cuidado para não ultrapassar seus limites no caminho que você ama. — Advertiu-lhe sua mãe, cujas palavras ouviu com gratidão e começou a ir para a cama quando passava das dez da noite.

Numa noite tranquila e chuvosa, estava absorto em sua leitura, contra a vontade de sua mãe, quando bateu a meia-noite.

A chuva parou e não havia vento. A lua saiu, iluminando de leve sua janela, inspirando-o a escrever um poema ou uma canção. A lua estava lá fora e a janela estava brilhante. Ele esfregou a tinta e pegou no pincel, pondo-se à tarefa de cantar o aspecto daquela noite.

Ele percebia o som dos insetos, mas às vezes havia o som de um gongo no fundo de quando em quando. Pensando bem, isso acontecia todas as noites. Estranho.

Desceu até o jardim, olhou em volta e encontrou o lugar de onde vinha o barulho, sob uma pedra onde a grama não costumava ser cortada.

Na manhã seguinte, ele mandou seus criados cavarem lá.

A uma profundidade de cerca de um metro, eles se depararam com uma grande pedra, que ao escavarem, encontraram debaixo dela um caixão com um tampo de pedra. Quando ele tirou a tampa e olhou para dentro, ele viu algo inexplicável. Parecia que sua mão, de vez em quando, tocava um gongo.

A coisa não parecia um ser humano. Era seco e fino, como um salmão desidratado, ou até ainda mais seco e magro, com cabelos que desciam até os joelhos.

Mandei que os criados o escavassem, e pelo que disseram, “Era muito leve. Não havia nada de sujeira.” Enquanto isso, a mão continuava a golpear o gongo.

— Isso é um monge que dorme em nyûjô. Em outras palavras, para que passasse à outra vida, ele foi enterrado vivo na forma de meditação zenjô, como ensinado pelo Buda. Isto é de antes de meus ancestrais terem se estabelecido aqui, cerca de dez gerações atrás. Eu me pergunto se suas almas foram para o paraíso como desejavam, enquanto seus corpos ficaram assim para atrás. O fato de que sua mão ainda se move para golpear o gongo mostra a profundidade de sua persistência. De qualquer forma, vamos tentar trazer este corpo de volta à vida — disse o chefe da família, e ordenou que levassem o corpo para dentro da casa.

Retrato de Kôbo-Daishi (Kûkai), século XIV, cuja
lenda fundou a prática do nyûjô. Wikimedia Commons.

Ainda agarrado ao seu instrumento, cobria-o com roupas e futons para mantê-lo aquecido e, ocasionalmente, banhava sua boca com água quente, que ele tentava sugar. As mulheres da casa estavam muito assustadas para se aproximarem dele, então o chefe da família cuidava dele ele mesmo, e sua mãe se assegurava de dizer uma oração a cada vez.

Passados apenas cinquenta dias, o monge passou a transpirar aqui e ali, seu corpo até começou a se aquecer. “Quase lá”, pensou, e após dias de cuidado constante, ele abriu os olhos. Mas ele ainda não conseguia ver claramente. Quando colocava um pouco de papa de arroz ou mingau em sua boca, o jeito que ele punha a língua para fora degustando era de uma pessoa comum.

Gradualmente, sua carne foi ficando mais firme e sua pele ficou mais vibrante. Ele podia mover seus braços e pernas, e podia ouvir. Quando lhe foi dado um pano velho, ele o tomou em suas mãos como um monge o faria. Ele parecia muito feliz.

Ele também começou a comer normalmente. Eu tive o cuidado de não lhe dar de comer peixe, porque ele era um monge, mas quando ele pediu, eu dei a ele, e ele o devorou, com osso e tudo.

Ressuscitado de tal maneira, o chefe de família perguntou-lhe várias coisas, mas — Não me lembro de nada — disse ele.

— Mas você deve se lembrar de ter sido enterrado, não? Qual era o seu nome quando era monge? — perguntou, mas respondeu apenas: —Não faço ideia.

Talvez tenha sido um grande monge um dia, mas agora ele não passava de um homem incompetente, então o fez trabalhar no jardim regando as plantas, e continuou a alimentá-lo. Ele era capaz de fazer esse tipo de trabalho, ao menos.

De qualquer forma, os ensinamentos do Buda são só disparates. É uma pena que este homem, que vem batendo seu gongo sob a terra há mais de cem anos, tenha permanecido na terra em vão, sem ter adquirido nada.

— Todos estes anos desperdicei o dinheiro de meus filhos num esforço para acompanhar as ofertas, e é como se eu fora enganada por uma raposa ou um guaxinim — disse a mãe, mudando de ideia ao ver a situação do monge.

Ela deixou de visitar túmulos, exceto no aniversário da morte de membros de sua família, e passou seus dias sendo conduzida por sua nora e netos, desfrutando das vistas e dos sons do mundo. Ela se misturou alegremente com os membros da sua família e deu generosas gorjetas aos que empregava em sua casa.

— Eu costumava passar muito tempo rezando pela paz depois da morte, mas é bom poder esquecer tudo isso e viver confortavelmente — dizia de vez em quando aos outros, alegremente.

Por outro lado, o homem que foi escavado do chão não era em nada parecido com o monge ascético que havia entrado no mosteiro e praticara o nyûjô, com suas explosões ocasionais de raiva e seus olhos ensandecidos.

Ele foi nomeado Nyûjô-no-Jôsuke, e depois de permanecer na casa por cinco anos, tornou-se marido de uma viúva pobre na mesma aldeia. Pois mesmo não conhecendo sua própria idade, os homens e mulheres ainda formam casais.

— Ora bem, vê-se em primeira mão os ensinamentos de Buda sobre boas causas e maus efeitos, e não sobre boas causas e bons efeitos — rumores do tipo começaram a circular não apenas nesta aldeia, mas também nas aldeias vizinhas, e os monges do templo estavam ansiosos para negá-lo, mas cada vez menos pessoas o escutavam.

A mãe do chefe da aldeia, que estava prestes a morrer de uma doença grave aos oitenta anos de idade, disse ao médico assim:

— Já aceitei que minha vida está chegando ao seu fim. Eu posso morrer a qualquer momento, os medicamentos apenas estão me mantendo viva. Você foi muito gentil comigo ao longo dos anos. Espero que você continue me tratando bem depois disto. Meu filho tem quase sessenta anos de idade, mas seus pensamentos ainda são infantis e ele ainda é muito pouco confiável. Por favor, diga-lhe de vez em quando: 'Não deixe a casa cair em decadência'".

E o chefe da família, seu filho:

— Tenho cabelos grisalhos e não sou tão forte quanto deveria ser. Sou-lhe grato por sua preocupação. Farei o meu melhor para cuidar dos negócios da família, portanto, por favor, reze por minha mãe e deixe-a morrer pacificamente.

Quando disse isso, sua mãe se enfureceu:

— Você ouviu isso, doutor? Que tolice. Não quero rezar para o Buda e ir para o paraíso. Pouco me importa que eu caia no mundo das bestas e sofra por isso. Vejo que as vacas e os cavalos não sofrem apenas, eles também são felizes e alegres. As pessoas não são felizes apenas, elas também são mais agitadas e ocupadas do que as vacas e os cavalos, por termos que atravessar o mundo. Quando o ano chega ao fim, é pesado tingir e lavar as roupas e ouvir o clamor do tributo anual. Agora, vou fechar os olhos e não dizer mais nada — dito isto, morreu.

Nyûjô-no-Jôsuke trabalhou tão duro quanto os bois e cavalos, empurrando cestas e carregando cargas, e mesmo assim ainda era pobre.

— Mas que terrível, essa história. Deve ser muito difícil ir para o paraíso rezando ao Buda. Então a melhor coisa a se fazer neste mundo é trabalhar duro nos negócios da família — falavam as pessoas entre si, e assim ensinavam aos seus filhos.

Também zombava da seguinte forma:

— O Nyûjô-no-Jôsuke só permaneceu neste mundo porque ele devia ter um vínculo através das gerações com aquela mulher.

Mas a sua esposa dizia em prantos para qualquer um que encontrasse:

— Como pude aceitar um homem tão inútil como meu esposo? Sinto falta dos dias em que eu era viúva, quando vivia sozinha catando os grãos deixados para trás. Ah, como seria bom se meu ex-marido voltasse para mim. Assim não seríamos tão pobres a ponto de não termos roupas o suficiente para cobrirmos os nossos corpos. 

O mundo é um lugar completamente incompreensível.


Original:「二世の縁」上田秋成より
(http://home.att.ne.jp/red/sronin/_koten/0024nyujo.htm)

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