Dentro da porta de vidro (2), de Natsume Sōseki
Meu telefone tocou e ao colocá-lo no ouvido e perguntar por quem chamava, era um homem de uma revista pedindo para tirar uma fotografia minha, perguntando quando poderia vir me fotografar. — Prefiro não ter minha foto tirada — respondi-lhe.
Eu não tinha qualquer relação
com aquela revista. Tinha a memória, porém, de ter pegado em mãos um ou dois exemplares
dela nos últimos 3 ou 4 anos. Só me lembro de que ela tinha a peculiaridade de
publicar muitas fotografias de pessoas sorrindo. No entanto, a impressão desagradável
que tive de muitos daqueles rostos sorridentes, forçados e pouco naturais, não
desaparecera. Por isso, tentei recusar o pedido.
O homem da revista me explicou
que desejava publicar rostos de pessoas nascidas no ano do Coelho, visto que seria
a edição de Ano Novo do Coelho. De fato, como dizia ele, nasci no ano do tal
signo. Então eu disse assim:
— Tudo bem se
eu não sorrir nessa fotografia para sua revista?
— É claro,
não faz necessidade alguma — respondeu imediatamente. Como se eu houvesse até
agora entendido mal a especialidade dessa revista.
— Se eu puder
fazer uma expressão normal, então por mim tudo bem.
— É claro, está ótimo. Muito
obrigado.
Marcamos um dia e encerrei a
chamada.
Dois dias depois, o homem com
quem conversei pelo telefone apareceu no meu escritório, vestindo belas roupas
ocidentais e carregando uma máquina fotográfica. Conversei um pouco com ele
sobre a revista para a qual trabalhava. Depois disso, ele tirou duas
fotografias minhas. Em uma delas eu me sentava casualmente atrás da
escrivaninha, e na outra estava de pé sobre a geada no frio do quintal,
aparentando normalidade. A iluminação no escritório não era muito boa, então
ele acendeu uma lâmpada de magnésio após montar a câmera. Pouco antes da luz se
acender, ele pôs apenas metade do rosto para fora em minha direção e disse: —
Sei que prometi, mas poderia sorrir um pouco para mim? — Na hora, achei um
pouco de graça nisso. Mas também achei ele um tolo. — Estou bem assim —
respondi, negando o seu pedido. Ele me fez ficar de pé em frente às árvores do
quintal e, quando apontou a lente em minha direção, no mesmo tom polido de
antes, repetiu as mesmas palavras: — Sei que prometi, mas... — Tive menos vontade
ainda de sorrir.
Passados apenas quatro dias, ele
me enviou a fotografia pelo correio. No entanto, eu estava sorrindo nessa foto,
conforme ele pedira. Naquela hora fiquei encarando aquela fotografia,
desapontado. A impressão era de que, de alguma forma, ele a modificara para
fazer parecer com que eu estivesse sorrindo.
Por precaução, eu a mostrei para
as quatro ou cinco pessoas que vêm aqui em casa. Julgaram, como eu, que de
algum jeito fizeram com que eu sorrisse na foto.
Desde que nasci até hoje, passei
muitas vezes pela experiência de sorrir para as pessoas, apesar de não querer
sorrir. Talvez isso tenha sido uma vingança do fotógrafo por essa falsidade.
Apesar de ele ter me enviado
essa foto em que eu sorria um sorriso sarcástico e desagradável, ele nunca me
enviou a revista na qual disse que a publicaria.
Original: 「硝子戸の中」夏目漱石より
(https://www.aozora.gr.jp/cards/000148/files/760_14940.html)
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