Dentro da porta de vidro (1), de Natsume Sōseki

Olhando o lado de fora pelo lado de dentro da porta de vidro, imediatamente chamam à atenção a bananeira que protege da geada, os galhos de umemodoki com frutos vermelhos e os postes elétricos presunçosamente eretos. Mas fora isso, não há muito mais em minha vista que valha a pena contar.  O meu campo de visão de dentro do escritório é extremamente monótono, e extremamente estreito.

Umemodoki (Ilex serrata); favorita em jardins de estilo japonês.
Além disso, desde o fim do ano passado eu peguei um resfriado e não tenho saído muito fora, como fico sentado todos os dias aqui dentro dessa porta de vidro, não tenho a menor ideia do que acontece no mundo. Indisposto, também não leio muito. Apenas fico sentado, durmo, e assim passa-se um dia após o outro.

Entretanto, às vezes minha cabeça se põe em movimento. Muda-se um pouco também minha disposição. Não importa quão estreito seja o mundo, mesmo neste acontecem coisas a seu modo estreitas. Dessa forma, às vezes passam algumas pessoas por essa porta de vidro, que me separa, eu que sou pequeno, do vasto mundo. Pessoas inesperadas que fazem e dizem coisas inesperadas. Acontece até de eu recebê-las e dar-lhes adeus com os olhos repletos de curiosidade.

Vou tentar continuar escrevendo um pouco sobre essas coisas. Me preocupo, pensando como aos olhos de alguém ocupado esse tipo de escrita seria tedioso. Sinto uma forma de vergonha por exibir os meus escritos pacatos ocupando a página, ao assinante que tira o jornal de dentro do bolso no trem e apenas passa os olhos pelos grandes tipos móveis. Essas pessoas que não veem a necessidade de pegar no jornal para outra coisa do que ver o que consideram importante, ou talvez o que lhes excitem os nervos suficientemente, dentre os incêndios, roubos e assassinatos, por faltarem-lhe o tempo de sobra. ——Essas pessoas que compram o jornal enquanto esperam o trem na estação, ficam sabendo das mudanças na sociedade que aconteceram ontem quando estão dentro do trem, e têm que esquecer de tudo o que está no papel do jornal dentro do bolso quando chegam à repartição pública ou à empresa, por estarem ocupados demais.

Escrevo agora em afronta ao desdém dessas pessoas desprovidas de liberdade além do tempo que lhes foi encurtado dessa maneira.

Desde o ano passado, começou uma grande guerra na Europa. E pelo que parece, não há como prever quando irá terminar. Até no Japão, contraímos uma pequena parte dessa guerra. Resolvida esta, o parlamente foi dissolvido. As eleições por vir são um problema de importância para as pessoas do mundo político. O arroz está barato demais, como resultado os agricultores não estão ganhando dinheiro, e por isso todo mundo está reclamando de crise. A respeito dos eventos anuais, o sumô de primavera está para começar. Em suma, o mundo está terrivelmente conturbado. Sinto que não posso pôr a cara no jornal, eu que fico sentado dentro da porta de vidro. Se for para escrever, escrevo deixando de lado os políticos, militares, empresários e fanáticos por sumô. Não consigo reunir sozinho coragem para tanto.  Mas me disseram para tentar escrever algo essa primavera, então vou escrever sobre coisas tediosas que interessam a ninguém além de mim mesmo. Quanto tempo isto irá durar depende da minha escrita e da edição do papel, logo dificilmente possuo uma ideia exata no momento.

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"Dentro da porta de vidro" é a última série de 'zuihitsu' (ensaios, miscelânia literária) de Natsume Sōseki. Escrito em 1915 no período entre os seus romances "Kokoro" e "Michikusa", foi publicado diariamente entre 13 de janeiro e 23 de fevereiro no jornal Asahi Shinbun. Considerando-se isto, pretendo postar a cada semana um capítulo da obra traduzida, de um total de 39 capítulos.

Original: 「硝子戸の中」夏目漱石より
(https://www.aozora.gr.jp/cards/000148/files/760_14940.html
)

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